Em Gravatal, Luis Moreno trabalha no almoxarifado de uma fábrica de alimentos enquanto situação dos médicos não é legalizada
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LUIZ foi denunciado quando trabalhava como atendente em farmácia[/caption]
A medida provisória que reformula o Mais Médicos (MP 890/19) foi destaque do Plenário nesta semana na Câmara dos Deputados. O texto cria o programa Médicos pelo Brasil com o objetivo de ampliar o atendimento em locais afastados ou com população de alta vulnerabilidade.
O projeto de lei de conversão do senador Confúcio Moura (MDB-RO) prevê a reincorporação ao programa, por mais dois anos, dos cubanos que ficaram no Brasil. Poderão pedir a reincorporação aqueles que estavam em atuação no País no dia 13 de novembro de 2018 e permaneceram aqui após o rompimento do acordo entre Cuba e a Organização Pan-Americana da Saúde, que intermediou a vinda dos cubanos para o Brasil.
A votação é aguardada com ansiedade pelo médico despatriado Luis José Fajardo Moreno, 45 anos, morador de Gravatal. A exemplo dele, outros cerca de 2.300 médicos cubanos, desobedeceram as ordens daquele país e permaneceram no Brasil, quase 200 somente em Santa Catarina. Após a vitória do presidente Jair Bolsonaro, o governo de Cuba anunciou o fim do convênio com programa Mais Médicos, no final de 2018. Quem ficou teve seus bens confiscados pelo governo e não poderá retornar ao país por oito anos.
Depois de estudar e se formar em medicina em Cuba, Luis participou da ação Médico Sem Fronteiras, onde pode atuar voluntariamente em países como Venezuela, Guatemala, Haiti, Equador, Peru e até mesmo dos Estados Unidos. Esta experiência lhe rendeu o convite para coordenar uma policlínica em seu país. “Estavam sobre minha responsabilidade 25 médicos, além de especialistas e enfermeiros que atuavam em 25 postos de saúde em Cuba. Trabalhei mais de um ano neste cargo de chefia, até me cadastrar para atuar fora. Eu queria ir para o Equador, mas haviam vagas apenas para o Brasil”, explica o médico como foi a sua escolha.
Foram três meses de preparação em Cuba com professores de São Paulo. Luis chegou em fevereiro de 2014 ao Brasil e passou por mais três meses de estudos para o trabalho. Lembra que aqueles que, ao final do curso, não tivessem a aprovação da aptidão em uma prova, eram mandados de volta.
O primeiro município em que atuou em Santa Catarina foi Vargeão, próximo a Chapecó, com cerca de 4 mil habitantes. Três meses depois, aproveitando uma vaga que se abriu em Gravatal, pediu transferência para o Sul do Estado. Atuou de agosto de 2014 a abril de 2017, quando com a troca de prefeitos, o atual, não quis renovar o seu contrato.
Luis, mesmo sem poder medicar, decidiu que iria ficar na região, pois começava a constituir uma família aqui. “Em 2015 conheci a Donizete, com quem noivei e me casei ano passado. Não queria deixar Gravatal”, conta o médico, que passou, então, a “fazer bicos”, como ele mesmo diz, atuando desde vigilante a servente. “Trabalhei 45 dias em uma fábrica de esmaltados em Braço do Norte como pintor. Mas, definitivamente, não levo jeito pra isso”, conta bem humorado. Este ano, colegas cubanos que ficaram no Rio Grande do Sul disseram para ele que farmácias estavam contratando agentes de saúde e balconistas por lá. “Decidi ir para Panambi (RS) e trabalhei cerca de 30 dias na Rede São João, até o Conselho de Medicina denunciar ao Conselho de Farmácia que eu estava, supostamente, exercendo ilegalmente a profissão. Bateram uma foto minha medindo a pressão de uma cliente e disseram que eu estava atuando de forma ilegal”, conta decepcionado. De volta à região, atualmente, trabalha em uma fábrica de alimentos como auxiliar de almoxarifado.
Luis, que é médico há 18 anos, conta que outra forma legal de poder voltar a atuar no Brasil é fazendo a prova do Revalida. Porém, este exame está suspenso desde 2017 no País. Com isso, nenhum médico brasileiro que se formou neste período fora ou estrangeiro que veio para cá, pode atuar. “Há um medo, desmedido, por parte do Conselho de Medicina de que os profissionais formados fora ou nós, que somos estrangeiros, possamos tirar a vaga dos recém-formados. Porém, está comprovado que 44 mil médicos recém-formados estão nas grandes cidades fazendo suas residências e de lá não pretendem sair”, explica o médico cubano. “Há 18 mil vagas para atuação de médicos, sendo 11 mil somente no Norte e Nordeste do país, para onde estes recém-formados não querem atuar”, defende que há vagas para todos.
Um médico cubano vereador
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MÉDICO cubano se filiou ao Progressista e diz que é pré-candidato[/caption]
Assim como Luis, sua irmã Lasly Fajardo Moreno, 48 anos, que atuava no Maranhão, também desistiu de voltar para o Cuba. Ela, a exemplo do irmão, reside em Gravatal, porém, acompanhada de um filho. O Governo do Brasil pagava para o Governo de Cuba R$ 11.400 mil mensal pelo trabalho de cada um destes médicos, que recebiam de volta, apenas R$ 2.900,00, ou seja 25%. “Nós decidimos ficar no Brasil por estarmos cansados de sermos tratados como um objeto de trabalho do governo cubano. Eles não nos enxergavam como profissionais, mas como um instrumento”, reforça Luis, que chegou a ficar três meses sem receber o repasse e só conseguiu sobreviver graças à generosidade do povo de Gravatal. Luis ainda conta que, em 2015, teve negado por Cuba o direito de voltar para casa quando seu pai faleceu, o que fez aumentar ainda mais o seu descontentamento com a política adotada com relação ao trabalho dos médicos fora do país.
Luis tem especialidade na área de pediatria e seu atendimento ainda é lembrado pelas comunidades de Termas e da Bela Vista. “Eu guardo boas recordações deste período que atuei no posto de saúde. Por diversas vezes fiz palestras para os idosos, gestantes e para a portadores de doenças clínicas não transmissíveis, como diabetes e hipertensão”, recorda. “Apesar de estar autorizado, na época, a atuar somente como clínico geral, diversos moradores me procuravam com suas crianças pois sabiam da minha especialização em pediatria”, acrescenta Luis.
Este carinho por parte da população fez com que, este ano, o médico decidisse se filiar a um partido político e pretende ser candidato a vereador em 2020. “Fui convidado por alguns políticos a me filiar e dar a minha contribuição, de outra forma, ao povo do Gravatal. Decidi aceitar”. A ficha de Luis no Progressistas foi abonada pelo senador Esperidião Amin. “Espero, se eleito, poder contribuir com minha experiência administrativa, no Poder Legislativo”, defende o médico.