Com mais de 90 anos de idade, mulheres compartilham sábios relatos sobre maternidade
Nos dias de hoje, muito se fala sobre os desafios de ser mãe. Porém, para as mulheres nascidas na década de 1930, não existia espaço para debater e, tampouco, acesso à informação. As moradoras de Braço do Norte, Luiza Pereira Turazzi, 90 anos, e Paulina Luciano Schmöller, 92 anos, têm em comum um passado de resiliência e superação. Ambas, após momentos difíceis de suas vidas, precisaram criar os filhos por conta própria. Luiza ficou viúva aos 39 anos e o marido de Paulina foi embora quando ela tinha 48 anos. Mas engana-se quem pensa que elas são vítimas. Pelo contrário, a edição especial da Folha do Vale traz, na semana em que as mães estão em evidência, as reflexões e vivências de duas mulheres que são as verdadeiras heroínas de suas próprias histórias. Luiza Pereira Turazzi reside no distrito de Pinheiral, onde é considerada uma liderança comunitária respeitada por todos. Aos 90 anos, orgulha-se da família numerosa que possui. É mãe de sete filhos e possui 16 netos e 19 bisnetos. “Sou rica, né?”, brinca ao enumerar. Segundo ela, a diferença da maternidade de sua geração para as gerações atuais inicia já na gestação.
Hoje, as mulheres recebem assistência médica desde o início da gravidez. Eu tive sete filhos e nunca fiz nenhum exame durante as gestações. A gente ganhava as crianças em casa, com uma parteira”, relembra. Porém, ao contrário da maior parte das mulheres de sua época, ela não teve a agricultura como sua principal profissão. Com apenas 13 anos, teve sua primeira experiência enquanto professora. Isso ocorreu de forma precoce porque o pai dela, que também era professor, preparou a aula para ela ministrar. “Eu considero que era uma vocação. Eu gostei muito de fazer e, quando tive oportunidade, continuei”, comenta. O trabalho foi interrompido e retomado quando ela tinha 17 anos. Com 20 anos idade, teve seu primeiro filho e, 19 anos depois, ficou viúva. Questionada sobre sua rotina, Luiza conta que, assim que a aula terminava, ela chegava e já ia pegar o cesto de roupas para lavar. Deixava as roupas de molho e, no dia seguinte, levantava antes do sol nascer para torcê-las e estendê-las. Depois, tirava o leite da vaca, deixava o café pronto para que os filhos fossem para a escola e só então ia trabalhar. “Hoje eu vejo que dar conta de todos os afazeres é uma arte. Nunca tive ajuda, eu era a responsável por tudo: filhos, comida, roupa, casa, trabalho... Tudo isso em uma época em que não havia energia elétrica, em que as coisas eram muito mais difíceis. A gente lavava roupa no rio, de joelhos”, relata.
Educação como prioridade
Por priorizar os estudos, precisou lidar com a distância e abrir mão do convívio com os filhos. “Eu acreditava que a melhor coisa que eu poderia dar a eles era o estudo. Esta era uma grande preocupação. Então, conforme eles iam terminando a 4ª série, iam para casa de parentes para continuar estudando. Não tinha transporte na época. Então, um filho foi para o seminário e os outros foram para Rio Fortuna, Armazém, Braço do Norte e até para Brasília”, recorda Luiza. Mesmo sofrendo, tinha consciência de que estava fazendo o melhor para eles. “A gente ama os filhos e quer vê-los todos os dias. Não foi fácil. Os que estavam em Brasília, eu não os via o ano todo. Não tinha nem telefone, a gente se comunicava por carta. Era um sofrimento, mas eu nunca pensei no que era melhor pra mim. Sempre fiz tudo pensando neles. Primeiro, vêm os filhos; depois, eu”, afirma categórica.
Quando tinha por volta de 50 anos, decidiu fazer o curso de magistério. “Eu arrumei um grupo de 10 pessoas para podermos ir para Rio Fortuna todos os dias à noite, durante três anos. Não tinha ônibus, então meu genro, que era coletor de leite, nos levava e nos trazia”. Durante este período, chegava em casa por volta das 23 horas. “A estrada era ruim. Muitas noites, em dias de chuva, o caminhão patinava em uma subida de morro. A gente precisava descer para empurrar. Nestes dias, chegávamos em casa sujos de lama”, comenta enquanto ri. Luiza considera que, apesar de ter tido uma vida de sacrifícios, os esforços compensaram, tendo em vista a educação que deu aos filhos e também aos alunos. “Tenho ex- -alunos que estão na terceira idade e, até hoje, vêm me abraçar e me chamam de querida professora. É uma grande satisfação pra mim”.
Questionada sobre como considera sua maternidade, Luiza relata a sensação de dever cumprido. “Eu acho que sempre dei um bom exemplo, de muito trabalho. Não deixava faltar nada pra eles e, para garantir isso, lutei muito. Precisava me virar, mas sempre dei um jeito”, afirma com orgulho do caminho que trilhou. Após tudo o que já precisou lidar e superar, se mantém forte. “Eu amo muito meus filhos. Já perdi três e isso me dói muito. Não existe nada que supere esta dor, foram os piores momentos da minha vida”, diz emocionada. A força para seguir em frente ela encontra na família e, além das ocupações já citadas, Luiza ainda encontrava tempo para se envolver em assuntos comunitários. Foi catequista, foi ministra da Eucaristia e participou ativamente da organização das festas em prol da igreja e da escola. “Quando o Grupo da Terceira Idade iniciou com os encontros semanais, me colocaram como candidata. Fui escolhida para ser a presidente e sou até hoje. Eles me abraçam e dizem que sou mãe deles. Quando precisa resolver algo, sempre me consultam pra decidir”, conta.
Isso mostra o espírito de liderança que lhe é intrínseco e o qual ela exerce por meio do exemplo. A todos que educou, sejam os filhos ou os alunos, transmitiu valores baseados no respeito, na honestidade e na verdade. “Nunca foi uma questão de fazer todas as vontades dos meus filhos. Eu fazia o melhor por eles, mas todos tinham limites e respeitavam. Eu nunca bati em nenhum. Eles sabiam que precisavam obedecer e faziam o que eu pedia, não ficavam questionando. Então não tinha razão pra dar castigo”. Ainda hoje, se mantém ativa o quanto possível. Se dependesse dela, incluiria ainda mais atividades no seu dia a dia. Em sua rotina, fazem parte a leitura, a montagem de quebra-cabeças complexos, a resolução de palavras cruzadas, as aulas de artesanato pelo Youtube, produção de artesanatos como pintura e crochê, jogos de baralho. Além disso, logo quando possível, pretende voltar a dançar, já que é algo que sempre amou fazer.
Paulina e uma vida de superação
Educação que deu aos filhos foi sempre baseada no diálogo
Paulina Luciano Schmöller, 92 anos, também teve uma vida de superação. Hoje, desfruta de sua atual fase com tranquilidade, alegria e gratidão. De um total de 12 filhos, oito estão vivos. Os outros quatro, ela perdeu quando eles ainda eram crianças. Ela sempre trabalhou com a agricultura e tinha uma rotina bastante atribulada. “Eu plantava e colhia milho, feijão, arroz, banana, tirava leite, fazia queijo. Mesmo grávida, ia o dia inteiro para a roça e, 40 dias depois de ganhar os bebês, já voltava ao trabalho. Minha casa estava sempre cheia de filhos, mas eu não ficava nervosa e nem agitada”, relata. “Eu fazia tudo o que podia fazer de bom.
Não reclamava e não descontava em ninguém porque as coisas eram difíceis”, acrescenta. Segundo Paulina, como não tinha acesso a diferentes realidades, nem cogitava viver de outra forma. Por isso, seguia em frente e enfrentava as adversidades. “Parece que nem enxergava as coisas dessa forma, eu só ia fazendo, com paciência. As crianças iam para a escola pela manhã e voltavam ao meio-dia. Como a família era grande, falava o que era para fazer e eles obedeciam. Cada um tinha uma função, alguns ajudavam na roça, outros ficavam cuidando dos irmãos”.
Segundo ela, a educação que deu aos filhos foi sempre baseada no diálogo. “Eu nunca gritei com ninguém. Eu conversava, explicava como tinha que fazer, como ficava melhor. Com paciência, tudo dá certo. O tratamento sempre foi com muito amor e carinho”, conta. Paulina cita ainda os princípios que transmitia a eles. “Eu ensinei que o importante é trabalhar para garantir seu próprio sustento sem depender de ninguém, para que conseguissem conquistar suas coisas. Sempre deixei claro que a gente precisa lutar para que as coisas deem certo”, acrescenta Paulina. É por isso que colher o que planta foi algo que transcendeu a sua profissão de agricultora para se tornar uma lição de vida. Felizmente, hoje ela vive uma fase de contemplar sua colheita. Paulina tem a sorte de contar com seus filhos, netos e bisnetos. “São todos legais. Nenhum me dá desgosto. São ótimos, queridos. Tenho muito orgulho deles”, afirma admirada.
Outro grande ensinamento compartilhado por ela foi a gratidão. “Antes de comer, eu sempre os ensinei a rezar e agradecer pelo que têm”, comenta. Apesar dos afazeres acumulados e da realidade difícil, proveu uma infância feliz aos filhos, que consideram que nunca lhes faltou nada, apesar de toda dificuldade. Hoje, ela percebe que eles aprenderam o que ela tanto lutou para ensinar. Prova disso, é a forma como é tratada pela filha Terezinha, com quem mora no bairro Santa Augusta, que largou o emprego para cuidar da mãe, como forma de agradecimento e retribuição. “Nunca tive uma vida boa igual aqui, parece que estou no céu. Agora, não preciso fazer nada, minha filha faz tudo pra mim. É tudo mil maravilhas. Se eu saio, quando volto, tem café na mesa me esperando”, conta satisfeita.
Hoje em dia, gosta de assistir às missas pela televisão, de frequentar a igreja, de passear na casa dos filhos e de participar dos encontros do Clube de Mães, onde conversa e faz artesanato. Com empenho e capricho, pinta e borda toalhas de louça. E é com doçura que Paulina relembra de sua trajetória. Afinal, acumulou sabedoria e experiência o suficiente para saber que possui tudo o que precisa para ser feliz. Nesta fase de sua vida, não se queixa de nada, apenas celebra por tudo o que pode usufruir. “Hoje, a vida é muito diferente do que foi. Não tenho o que reclamar, graças a Deus. Só posso agradecer”, conclui.