Ricardo Medeiros compartilha sua história de superação após transplante de medula óssea
A possibilidade de morrer é uma experiência capaz de nos fazer reavaliar toda a nossa existência. Se transformam e têm um novo olhar sobre a vida aqueles que passam por isso. Para o morador de Braço do Norte, José Ricardo Medeiros, 46 anos, esta oportunidade nunca será esquecida. Em 2023, completam 20 anos da realização do procedimento que o deu uma nova chance de seguir adiante: o transplante de medula óssea (TMO). O diagnóstico de linfoma de Hodgkin (um tipo de câncer que se origina no sistema linfático) veio aos 19 anos. “No primeiro momento, é como se o mundo tivesse acabado”, relembra. Ele, que se mantinha ativo, se destacando, inclusive, em competições de futebol pelo Estado, começou a sentir um cansaço atípico.
“Era um cansaço muito forte nas atividades físicas, o que não era comum pra mim à época. Nesse período, desencadeou uma forte anemia, o que potencializava aquele cansaço e, em pouco tempo, tornou-se uma fadiga, acompanhada de muitas dores pelo corpo, principalmente nas costas. Essa dor me dava a sensação de ter um punhal cravado no meio das costas, dia e noite”, descreve. Descoberta a causa, o tratamento foi iniciado. Em um primeiro momento, foram realizadas 12 sessões de quimioterapia, semanalmente, de forma ambulatorial. Ele chegava no Hospital de Caridade, em Florianópolis, por volta das 7 horas e lá permanecia até 13h30min, recebendo a medicação por pulsão venosa. “A quimioterapia te derruba por completo, é um tratamento muito agressivo. Por essa razão, o repouso era fundamental para poder suportar todas as reações adversas que ela impõe”, explica.
Como consequência, as atividades físicas foram interrompidas e o trabalho passou a ser realizado com uma carga horária máxima de duas horas diárias. A segunda etapa do tratamento previa 30 sessões de radioterapia. “Como o equipamento em Florianópolis estava desativado, tive que recorrer a outro Centro para atender a prescrição médica. As sessões eram diárias e realizadas de segunda a sexta-feira. Por essa razão, fiquei por quase 30 dias em Curitiba”. Porém, na 18ª sessão, o médico suspendeu o tratamento por completo. “Isso foi necessário pela forte reação que o meu organismo apresentou. Tive queimaduras internas que tomaram conta de boa parte do meu sistema digestivo (boca, faringe, esôfago e estômago), além das queimaduras externas que tomaram conta de todo o pescoço e parte do tórax”, conta, acrescentando que ambos os tratamentos proporcionam dor e sofrimento. Porém, para ele, a experiência com a radioterapia foi ainda mais traumatizante.
A partir disso, novas incertezas surgiram. “A princípio, foi um período de recuperação das lesões, as quais me causaram muita dor, física e emocionalmente. Os próximos 45 a 60 dias foram de expectativa e ansiedade para retomar todos os exames, pois eram neles que o médico poderia avaliar a evolução do tratamento e, por consequência, se a doença tinha entrado em estado de remissão, o que se confirmou nesses primeiros exames”. Isso aconteceu em abril de 2002. Porém, em outubro, as dores e a fadiga ressurgiram. Com a realização de uma nova biópsia, a recidiva do linfoma de Hodgkin foi diagnosticada. “Perdi o chão pela segunda vez. Naquele momento, foi possível controlar um pouco mais os sentimentos de revolta e negação, até porque eu já tinha ideia do que iria enfrentar e precisava estar resiliente e resignado para encarar a missão”.
A solução, desta vez, foi o transplante de medula óssea autólogo (TMO), no qual as células-tronco do próprio paciente são coletadas e utilizadas para a recuperação após a quimioterapia e/ou radiação. “Obviamente, o desconhecido nos causa medo e desconforto, mas eu já estava mais preparado pra receber essa notícia. E também, muito mais forte comigo mesmo e com a minha fé”, relata. Em fevereiro do ano seguinte, o primeiro ciclo de quimioterapia como preparação para o TMO foi iniciado. Feito o TMO, veio mais um desafio. Após a transfusão, a medula precisaria voltar a funcionar no período de 15 a 20 dias. Porém, passaram-se duas semanas e Ricardo não reagia. Ao mesmo tempo, a vontade de retornar para casa era cada vez maior. Por isso, em uma terça-feira, durante a visita médica, ele conversou com o profissional. Em resposta, recebeu uma meta e a alta, no domingo, dependeria dos resultados dos exames. O que parecia extremamente improvável, felizmente, se concretizou.
“Acredito que isso aconteceu pela minha fé e pela certeza de que Deus estava comigo naquele momento. Quando entrei em tratamento para realizar o TMO, nunca tive medo da morte e me propus a aceitar o que Ele tinha reservado para mim. A minha vontade de viver era muito maior do que o sentimento de desistir. Mais que orar, eu conversava com Deus e agradecia cada minuto que Ele me permitia viver. Nesse período, sempre agradeci mais do que pedi. Nessas conversas, eu obtive a resposta de que a minha missão aqui nesse plano ainda não tinha terminado”, relata. Uma nova perspectiva sobre a vida veio como aprendizado deste momento de superação. Ricardo conta que se tornou mais humano após o diagnóstico, o tratamento e a cura. Além disso, passou a valorizar ainda mais a vida. “Eu era muito jovem e, como qualquer jovem, era sonhador e ambicioso. É nessa linha tênue que, às vezes, saímos da ambição e passamos pra ganância. A ambição te abre os olhos pro mundo, a ganância te fecha os olhos da alma. Por isso, não canso de afirmar que tudo que passei, a doença em si, foi um presente que recebi de Deus”, avalia.
“Meu transplante foi, de fato, um renascimento e um ressignificado para a vida. Foi depois desse período que me dediquei de verdade às causas sociais e à atuação comunitária”, acrescenta ele. Por isso, como orientação às pessoas que estão passando por situações semelhantes, ele afirma que a fé em Deus foi fundamental em sua jornada. “Gosto muito de uma frase que é forte e verdadeira: ‘dê o passo que Deus te dá o chão’”. Por fim, Ricardo ressalta que a empatia e a gratidão passaram a ocupar um lugar maior no seu dia a dia. “Quando estamos num momento como aquele, um abraço vale mais que mil palavras. É uma fase muito difícil e, de tudo o que te falam, pouco você ouve. A presença é mais importante que as palavras. E o conselho que posso dar quando você tiver alguém próximo em uma situação dessas, seja amigo ou familiar, é: use palavras de fé, força e coragem, nunca palavras de piedade”, finaliza.