Há três décadas, o futebol feminino sequer era regulamentado pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Por isso, para as pessoas que se encontram hoje na fase adulta, sempre foi importante que este tema viesse acompanhado de questões como o combate ao preconceito e a necessidade de visibilidade e reconhecimento.

   Entretanto, existe uma pontada de esperança quando o assunto é tratado pela atual geração, intitulada de Alfa, que inclui os nascidos a partir de 2010. Afinal, as diferenças de gênero no futebol não chegam nem ser uma questão. Se fossemos imaginar o que desejamos para o esporte no futuro, a atleta tubaronense Rafaela Raupp de Bitencourt, de 11 anos, e seus colegas de time são exemplo. 

   O tratamento igualitário para homens e mulheres no futebol pode até parecer utópico para as gerações passadas. Para eles, entretanto, é algo natural. Ela é a única menina do time e, quando questionada como se sente quanto a isso, é categórica em responder: “eu me sinto normal, não sinto nada”. O pai dela, Rafael Mariano Bittencourt, reforça tal afirmação. “Desde o começo, ela foi muito bem acolhida pelos professores e pelos coleguinhas meninos”, comenta.

   “Eles não a tratam diferente nem nada. Na verdade, eles parecem considerar ela como ‘um deles’”, complementa. No caso de Rafaela, quando o preconceito surge, ele está fora das quatro linhas. “Às vezes, há comentário de pais de times adversários que a gente escuta. Na maioria das vezes, sem que percebam o mal que há nas palavras que acabaram de falar. É algo ‘enraizado’ na nossa cultura ainda muito machista”. A atleta comenta que lida com isso apenas ignorando.

   É certo que não é possível prever se a atual geração manterá tais pensamentos e comportamentos quando se tornarem adultos, mas o fato é que há sim esperança. “Um dos maiores aprendizados que tiro (na verdade, que apenas confirmo, pois já tinha escutado isso antes), é de que não nascemos preconceituosos e sim nos tornamos”, observa Rafael Bittencourt. “Essas crianças ainda não têm essa visão mais limitada e espero que nunca tenham, que nunca aprendam a ter. Se os adultos não atrapalharem, já estarão ajudando bastante”, enfatiza o pai da garota.

Após gols decisivos, Rafaela é escolhida para levantar a taça

   A estreia de Rafaela em competições se deu em 2023, quando se matriculou na Escolinha de Futebol Hercílio Luz F.C., em Tubarão. Já em seu primeiro campeonato, foi uma atleta destaque, sendo a responsável pelos gols que garantiram que o time se congraçasse campeão. Para ela, o momento mais emocionante que vivenciou foi justamente o gol de pênalti decisivo na partida final.

   “Ela era a única menina desse campeonato e quis o destino que cobrasse o pênalti decisivo. Se fizesse, o time era campeão. E ela fez! Foi lindo, todos os meninos indo abraçar a única menina do campeonato. É importante destacar que, nesse jogo, ela havia feito um dos gols do empate de 2 x 2 e, no jogo da semifinal, quando o time venceu por 1 x 0, foi ela quem fez o único gol do jogo que garantiu lugar do time na final”, relembra o pai, orgulhoso do desempenho de Rafaela.

   Com a atuação brilhante, veio o reconhecimento. “Na hora de escolher quem iria erguer o troféu, foi lindo acompanhar a conversa das crianças. Com muita naturalidade, escolheram ela para ser a pessoa que iria erguer a taça, como uma espécie de capitã. Não por ser menina, mas, como qualquer um da equipe, por ter feito gols decisivos. O fato de ser menina não pesou de nenhuma forma na escolha dos coleguinhas”, enfatiza. “Repito a palavra naturalidade porque realmente eles não pareciam pensar em qualquer coisa que a diferenciasse. Para eles, ela era parte da equipe, como qualquer outro. Para o pai babão aqui, todos estes momentos foram lindos. E, como ser humano, saí dessas experiências acreditando que um futuro mais igualitário é possível”, declara  Rafael Bittencour.
 

Representatividade que planta sementes

   Quando se trata de inspirar e incentivar novos talentos, a representatividade é fundamental. Afinal, quando você vê seus semelhantes ocupando espaços nos quais você aspira, reforça a sensação de que alcançar tais objetivos é possível. Para Rafaela, referências femininas fizeram com que o interesse pelo futebol fosse despertado e também contribuem para o seu encorajamento. “Fui influenciada pelos meus primos, Bernardo e Isabela, que jogam futebol. E o interesse aumentou bastante quando assisti à Copa do Mundo”, afirma a atleta.

   Hoje, ela deseja fazer do esporte a sua profissão. “Gostaria muito de jogar no Criciúma, Corinthians, Chelsea e Real Madrid”, cita. Quando questionada sobre o que diria para outras meninas que desejam jogar futebol, o conselho dado é o mesmo que já recebeu de jogadoras que ela admira. Com as atletas profissionais, Rafaela aprendeu que não devemos desistir de nossos sonhos e essa é a mensagem que ela passa adiante. 

   “Uma vez, viajei a trabalho e levei a família. Por uma dessas coincidências da vida, aconteceu que, no mesmo hotel em que ficamos hospedados, estava também a delegação feminina do Corinthians inteira. Elas iriam jogar um jogo do Campeonato Brasileiro. No jantar, minha filha conseguiu tirar fotos e conversar. Várias delas disseram para não desistir dos sonhos dela. Acho que esse dia foi bem importante para a vida dela”, conclui o pai, que conta também que, quando conversa sobre os desafios que Rafaela poderá enfrentar, busca usar referências femininas que superaram isso, como a jogadora Marta, por exemplo.