Propriedade de Gravatal investe no melhoramento genético do rebanho a fim de oferecer produtos diferenciados para os intolerantes
É crescente a preocupação da população com os cuidados relacionados à saúde e ao bem-estar. Da mesma forma, é cada vez mais comum se deparar com pessoas que sentem desconforto ao ingerir leite e seus derivados. Dessa forma, se torna extremamente atrativa uma solução que permita o consumo destes alimentos, inclusive para as pessoas intolerantes ou alérgicas. A Fazenda Morro Grande, situada no limite entre Gravatal e Braço do Norte, é pioneira em Santa Catarina na produção deste leite. Com isso, promete, em breve, movimentar o mercado. Isso é possível graças à criação de gado da raça Gir Leiteiro, que possui capacidade de produção de leite sem mutações genéticas, que causam alergias. Estes animais criados na fazenda, predominantemente, possuem a proteína beta-caseína A2 em sua composição, enquanto outras raças apresentam maior concentração de beta-caseína A1.
O médico e produtor rural, José Nazareno Goulart Junior, é o idealizador deste projeto na região. “Entre 2016 e 2017, a gente começou a fazer um trabalho de garimpagem. Procurávamos onde havia proprietários com algum resquício de gado Gir puro. Compramos uma vaca aqui e outra ali para começar o plantel. No fim de 2017, consegui uma quantidade maior. Comprei 10 vacas registradas de um proprietário de Armazém que resolveu acabar com a criação. Destas, oito estavam paridas e duas iam parir”, conta. Doutor Nazareno, como é conhecido, é natural da região Serrana. Há cerca de 20 anos, depois de formado, se estabeleceu em Braço do Norte, onde atua como ginecologista e obstetra. Até 2023, foi o diretor técnico do Hospital Santa Teresinha, cargo que exerceu por seis anos. A paixão por gado e fazenda herdou da família, pois é filho e neto de pecuaristas.
O pai, mantêm rebanho PO da raça Charolês com seleção há quase 40 anos em São Joaquim. Há cerca de dez anos, adquiriu a propriedade que fica a doze quilômetros do Centro de Braço do Norte. Não é à toa que o local, se chama Fazenda Morro Grande. Além de estar em um ponto extremamente alto entre os municípios, para chegar ao local é preciso ter atenção redobrada ao volante, pois a estrada não recebe manutenção do poder público há um bom tempo. Por diversas vezes, o pecuarista é obrigado a fazer baldeação do leite produzido, pois o caminhão que recolhe o produto não consegue chegar.
Aquisição de embriões visando ampliação do rebanho
Para alcançar os planos traçados: produtos diferenciados, animais produtivos, focado no bem-estar animal e na preservação do meio ambiente, uma das ferramentas essenciais é, sem dúvidas, o melhoramento genético de ponta do rebanho. O primeiro passo da fazenda de José Nazareno está sendo feito por meio da inseminação artificial. “A gente foi montando o rebanho no decorrer desse tempo e começou a surgir a necessidade de buscar a genética de ponta. Não só com o sêmen desses touros melhoradores, mas também através das linhagens maternas. Em 2022, começamos a buscar parcerias para trazer esses embriões”, complementa.
De acordo com o produtor, alguns fatores influenciaram nesta escolha, incluindo a praticidade do transporte e a qualidade do rebanho. “Você traz o embrião dentro de um botijão normal de sêmen e isso vem até em transportadora. Não precisa de um caminhão para ir buscar e todo o transtorno de trazer um animal vivo. Além disso, como ainda existem barreiras sanitárias no Brasil pela questão da febre aftosa, a gente não podia trazer nenhum animal vivo de Minas Gerais, Goiás, São Paulo e entre outros, onde estão os animais de elite da raça”, observa. A primeira transferência de embrião iniciou em 2022 e, no fim de 2023, nasceram as primeiras bezerras.
“Agora, já estamos na segunda parte do projeto, na qual implantamos mais uma leva de embriões que vieram de criatórios famosos, com famílias de recordistas mundiais de produção de leite”, adianta. O implante foi realizado no último 3 de fevereiro, por um veterinário e um técnico de Uberaba, Minas Gerais, que trouxeram três tipos de embriões: vitrificados, a fresco e DT (transferência direta). “Os embriões são colocados no útero das vacas receptoras que temos aqui, ‘as barrigas de aluguel’, tendo em torno de 40% de sucesso em prenhez”, relata.
Melhoramento genético possibilitará oferta de produtos diferenciados
A propriedade é a primeira fazenda de criação de Gir Leiteiro de Santa Catarina a participar do Programa de Melhoramento Genético de Zebuínos, da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ), em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). “Não existia técnico aqui em Santa Catarina que fizesse esse trabalho, então a gente foi atrás, junto com a ABCZ, e conseguimos formar um técnico aqui para fazer o controle leiteiro, com pesagem da produção dos animais e coleta dos dados reprodutivos. A agrônoma Caroline Fols Freccia realiza esse trabalho e o veterinário Adolfo Kurtz presta assistência reprodutiva e sanitária. Com isso, conseguimos melhorar a seleção genética das vacas mediante o resultado produtivo delas”, detalha José Nazareno.
A coleta do material genético de todos os animais é feita e, após a avaliação realizada na Embrapa, eles são classificados. Dependendo do resultado da avaliação genômica, entram no Sumário Nacional de Reprodutores e de Matrizes de Gir Leiteiro. Além disso, a fazenda é pioneira na comercialização de leite exclusivamente de Gir para laticínio e, por meio deste estudo aprofundado dos genes, a intenção é aumentar a produção do leite A2A2. “Nessa avaliação genômica, também entra a questão da genotipagem da proteína do leite. Atualmente, estamos voltando a seleção toda para o leite A2A2. Hoje, ainda não tenho 100% do rebanho A2A2, mas também não tenho nenhum animal A1A1. Mais de 90% já é A2A2 e há alguns animais que ainda são heterozigotos, A1A2. Dessa forma, estamos trabalhando para fazer toda a substituição no decorrer de um determinado período”, adianta o fazendeiro.
Passado o momento de ampliação do rebanho, será possível alcançar uma produção constante do “leite antialérgico” a beta caseína A1A1. “O número de animais do plantel está por volta de 70 ou 80 animais, a grande maioria de animais jovens, oriundos da multiplicação da raça. Temos entre sete e oito animais em lactação. A produção ainda é considerada baixa, em torno de 150 litros por dia. A intenção, no futuro, é aumentar essa produção e, quando estiver estabilizado, começar a fazer produtos diferentes”, planeja.
Atualmente, o leite A2A2 é produzido predominantemente no Sudeste. Por isso, há uma lacuna, que pode ser estrategicamente preenchida na região. “A gente não quer ficar só no leite, queremos partir também para os derivados”, conta. Sendo assim, todo o trabalho tem sido desenvolvido para este fim. “As práticas de bem-estar animal são parte primordial do projeto, nesse sentido não temos mais animais estabulados, são criados soltos na natureza. Entre estas práticas, também está a presença do bezerro junto à vaca. Na grande maioria das outras raças leiteiras, eles são separados logo após o nascimento. Aqui, o bezerro vai estar ao pé da vaca e será amamentado por ela durante todo o período de lactação. A gente tira apenas o leite excedente, sempre respeitando o processo de lactação natural, que é fundamental para garantir o bem-estar dos animais”, detalha o produtor.
Esse olhar carinhoso entre a mãe e o seu filho, Nazareno recebeu de casa, onde não perde a oportunidade de se encontrar com seus pais ao lado de sua esposa e filhos, seja para uma confraternização ou mesmo para um bate-papo, que burilou nos anos de obstetra. O especialista defende a importância que tem para criança estar perto da mãe já nos primeiros momentos após o parto e como a provedora se sente mais à vontade tendo sua cria próximo. “Então, porque isso não valeria também para os animais, já que são seres sencientes? Assim como o mercado oferece ovos de galinhas criadas soltas, nós também oferecemos “leite de vacas felizes”.
Com certeza, serão bem mais saudáveis para o consumo humano”, defende o médico. Uma das consequências da preocupação, do cuidado e do respeito com os animais é a qualidade do leite produzido. O projeto da Fazenda Morro Grande é de longo prazo e tem como intuito oferecer, em poucos anos, produtos diferenciados, como queijos e natas, tornando-se referência na produção de leite A2A2 e seus derivados, o que vem a beneficiar a região pela saúde e bem-estar proporcionados aos consumidores e também por movimentar a economia e gerar emprego ao desbravar um novo nicho de mercado. “Estamos fazendo tudo com orientação para depois conseguir as certificações necessárias para então comercializar”, conclui Nazareno.